A polícia da Bolívia reprimiu um protesto de um mês de povos indígenas contra os planos do presidente Evo Morales para que a empresa brasileira OAS construa uma rodovia de 300 km que atravessará uma reserva natural no meio da floresta amazônica. A estrada, que segundo o governo boliviano permitirá uma conexão entre o Pacífico e o Atlântico e beneficiará Brasil, Bolívia e Peru, será construída com um empréstimo oferecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
As autoridades afirmaram que a polícia acabou com o protesto no domingo ao tomar um campo usado pelos manifestantes na região de Yucumo, cerca de 300 km ao norte de La Paz, enquanto marchavam rumo à capital do país andino.
Apesar de o ministro do governo boliviano, Sacha Llorenti, ter negado que crianças e adultos tenham morrido ou desaparecido após a repressão policial, a Conferência Episcopal da Bolívia confirmou a informação de fontes próximas aos indígenas de que uma criança morreu. Também segundo essas fontes, 40 manifestantes teriam desaparecido, mas nenhuma fonte independente confirmou essa informação.
A mídia local relatou que o ministro das Relações Estrangeiras da Bolívia, David Choquehuanca, que estava em negociação com os manifestantes, foi feito refém por eles durante horas no sábado. Várias centenas participaram da marcha.
A ministra da Defesa boliviana, Cecilia Chacón, renunciou nesta segunda de forma "irrevogável" pela repressão violenta da marcha. "Assumo essa decisão, porque não compartilho da medida de intervenção que o governo tomou, e não posso defender ou justificar a mesma", informou, na carta de renúncia enviada nesta segunda-feira a Evo.
A estrada deve ligar a Província de Beni, no leste da Bolívia, à Província de Cochabamba, no centro do país. Também no domingo Morales anunciou que haverá um referendo nessas províncias "para que o povo decida se o projeto deve ou não ser executado".
Primeiro presidente do país de ascendência indígena, Morales afirmou que o projeto da rodovia é importante para aumentar os investimentos em infraestrutura no país. No entanto, Evo irritou os ativistas indígenas em junho, quando disse que a rodovia passaria pelo Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), reserva natural de 1,2 milhões de hectares, "gostem ou não".
Os indígenas temem que a reserva seja destruída por madeireiros e produtores de coca, planta base para fabricar cocaína.
"A polícia agiu em resposta a uma nova agressão promovida por um grupo de manifestantes usando gás lacrimogêneo para dispersá-los, mas tomou o acampamento sem uso de violência", disse à Reuters o ministro das Comunicações do país, Ivan Canelas. "A marcha foi dissolvida, porque se tornou uma fonte de violência", acrescentou.
Sacha Llorenti afirmou também que, pouco antes da intervenção, um grupo de indígenas armados com flechas ameaçou a polícia. Mas, segundo o procurador público Rolando Villena, os agentes dissolveram a marcha quando os indígenas pararam para jantar.
Evo tem enfrentado forte resistência dos povos indígenas ao projeto de US$ 420 milhões. A marcha começou em 15 de agosto na cidade de Trinidad, na Amazônia, e colocou Evo na defensiva antes de uma eleição em outubro que integra uma reforma para dar aos povos indígenas um papel maior nos assuntos de Estado.
A polícia tentou nesta segunda-feira embarcar em um avião os líderes da manifestação para obrigá-los a retornar a suas comunidades, mas os moradores locais tomaram o aeroporto e libertaram os indígenas.
Reação do governo brasileiro
O governo brasileiro defendeu nesta segunda-feira uma solução negociada para os protestos e confirmou sua disposição em colaborar financeiramente com o projeto por entender que atende todas as exigências ambientais.
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores expressou sua "preocupação" com "a notícia de distúrbios" no domingo contra a construção de um trecho da estrada.
A chancelaria brasileira disse confiar que ambas as partes manterão o diálogo "tomando em conta a normativa interna boliviana e boas práticas internacionais relevantes, em benefício do desenvolvimento e da estabilidade da Bolívia".
A nota igualmente confirma "a disposição em cooperar com a obra entendendo que se trata de um projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende os parâmetros relativos ao impacto social e ambiental previstos na lei".
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