quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Brasil é hoje um país mais corrupto?
Tema quase permanente nas discussões sobre ética e política no Brasil, a corrupção é objeto de um estudo da ONG Transparência Internacional, divulgado nessa quarta-feira, que coloca o país em 73º lugar em um ranking de percepção de corrupção, dentre 182 nações pesquisadas.
De acordo com o ranking, em uma escala de zero (muito corrupto) a dez (muito limpo), o Brasil obteve nota 3,8.
No Brasil, o assunto se mantém como centro das discussões políticas. Desde a posse da presidente Dilma Rousseff, em janeiro, seis ministros deixaram o governo - destes, cinco foram alvos de denúncias e suspeitas de corrupção.
Entrevistados pela BBC Brasil, o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari e o filósofo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP José Arthur Giannotti falaram sobre o tema da corrupção no Brasil, tanto em sua manifestação no meio político partidário quanto na vida cotidiana da população.
Dallari e Giannotti responderam, entre outros tópicos, se é possível erradicar a corrupção no Brasil, se o país é mais corrupto do que outros e se o Brasil tornou-se mais corrupto do que anteriormente.
José Arthur Giannotti
Reporter Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?
José Arthur Giannotti: A corrupção sempre vai existir, esse é o argumento básico. No caso do Brasil, a corrupção é um dos esteios da nossa formação. O Brasil era terra de ninguém. Os governadores que vinham para cá enfiavam a mão nos cofres públicos, porque para eles interessava voltar a Portugal com dinheiro.
Os movimentos contra a corrupção se instalam no país sempre do ponto de vista moral e do ponto de vista da eficácia da máquina administrativa. O raciocínio é: se quisermos uma máquina administrativa e uma política eficaz, nós temos de reduzir ao máximo esse nível de corrupção.
A corrupção no Brasil tem agora uma forma diferente. À medida em que as esquerdas, e principalmente o PT, vieram para o centro, a corrupção começa dizendo: "nós temos que nos apropriar de fundos públicos, ou receber propinas grandes de nossos companheiros capitalistas, para que nós possamos fazer a revolução".
Assim, na medida em que veio com a ideia de que vai realizar uma reforma social, uma coisa formidável que nunca foi realizada, que as elites sempre deixaram de lado, a corrupção vira, para o governo, um instrumento que certamente será apagado do curso da história.
Reporter Brasil: Esta forma de corrupção que o senhor percebe é algo novo?
Giannotti: Isso é um fenômeno novo, é uma corrupção entranhada na prática de governar. A governança está corrupta, e isso se expandiu de tal maneira que vale para o governo, que é quase toda a política, e para alguns pedaços da oposição.
Reporter Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?
Giannotti: Se você quiser apontar corrupção, até nos chefes tupis você vai encontrar. Não é uma questão de eu ou aquela pessoa roubar, não é uma questão de haver maior ou menor número de ladrões, é uma questão da permeabilidade da corrupção no exercício da função pública.
Eu não tenho uma medida do que foi a corrupção no governo Lula, e também nos governos do PSDB e do DEM, porque todo mundo entra na mesma jogada, mas eu sei que a forma da corrupção entranhou o próprio ato do governo, entranhou a maneira pela qual se exerce o poder no Brasil, e não ao lado, marginalmente.
Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?
Giannotti: Eu acho que o Brasil é mais corrupto que outros na medida em que estamos passando por essa forma de fazer política. Mas (a corrupção) é um fenômeno geral. Na Europa, tem aumentado o número de governantes corruptos, e o (ex-primeiro-ministro italiano Silvio) Berlusconi é o exemplo máximo.
Assim mesmo, a forma da corrupção no Brasil é diferente do que é na Itália. O Berlusconi aparece mais como uma espécie de grande empresário que, pelos seus feitos, encontra maneiras de ganhar dinheiro. Já aqui no Brasil, as pessoas estão chafurdando porque estão dirigindo o país.
Brasil: Em um artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2001, o senhor afirmava que era necessária ao jogo democrático uma "zona cinzenta de amoralidade", na qual os atores políticos articulam manobras em meio a falhas do sistema. O senhor não acha que, em termos práticos, a linha que separa a amoralidade da imoralidade é muito tênue?
Giannotti: Certamente a diferença entre imoralidade e amoralidade é tênue. A ação política implica certa aposta na amoralidade.
Quando Napoleão se lança em uma luta para massacrar um povo, isso é imoral, mas depois, se ele tivesse conseguido construir a Europa, os próprios europeus diriam: "nós passamos por isso, foi imoral, mas foi algo importante, válido". Então, esta ação terá se constituído em algo amoral.
Na ação política, existem certas faixas em que não se distingue o que é amoral e imoral. O estadista entra nessa faixa: vai se decidir se a sua ação é amoral ou não de acordo com o êxito da sua política.
O que acontece é que essa ideia passou para que qualquer vereador se veja na construção de um grande Brasil. Mas ele não constrói nada, apenas se aproveita do país, se dizendo acima do bem e do mal.
Além disso, o êxito de uma política é extremamente relativo. Pode se dizer que (sem ações imorais) não teríamos feito a integração de tantas pessoas no mercado de trabalho e de consumo, mas não é porque isso foi feito que todas as imoralidades praticadas no governo possam ser justificadas.
Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns? Pode se dizer que, em termos práticos, ela chega a ser aceitável?
Giannotti: Para mim, isso não é aceitável, isso vai ser sempre uma imoralidade. Mas quando os heróis nacionais são corruptos e a corrupção não chega à imagem deles, é natural que o guarda da esquina ache que vai acontecer o mesmo com ele.
Reporter Brasil: Isso quer dizer que a corrupção do cidadão comum é resultado da corrupção no meio político?
Giannotti: (A corrupção do cidadão comum) não é resultado, mas é alimentada (pela corrupção na política). Ela sempre existe, óbvio, mas nós não temos a camisa da moralidade do Estado para segurar a sociedade hoje.
Como essa camisa é esfarrapada, todo mundo acha legítimo burlar a lei. Aí você entra com a velha ideia brasileira de que, se você endurecer a lei, resolve o problema, mas é assim que as pessoas burlam a lei de vez.
O político não é só aquele que faz acordos, que cria leis e que dirige o Estado: ele tem uma função normativa, como tem o padre, o professor e assim por diante. São pessoas que assumem funções normativas na sociedade contemporânea.
Mas quando a imagem do político é de um corrupto, assim como quando os padres se apresentam como corruptores diante de seus fiéis, ou quando os professores não têm mais dignidade diante de seus alunos, naturalmente as normas passam a ser transgredidas em uma frequência muito maior.
Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?
Giannotti: Em primeiro lugar, é necessário o aumento da transparência. Em segundo lugar, quando o corrupto for pego, ele precisa ser punido de imediato. Ele não precisa ser preso, senão o Brasil vira uma enorme cadeia, mas (é preciso) que ele tenha ou uma punição financeira, ou que tenha a sua figura exposta em praça pública.
Em terceiro lugar, eu creio que é preciso reformular as práticas políticas. Nós temos que mudar as nossas instituições políticas. Em um país democrático, é preciso haver governo e oposição, que a oposição não fique lambendo o rabo do governo e que o governo não incorpore a oposição, não liquefaça a oposição, ajudando a oposição a não ter discurso.
Dalmo Dallari
Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?
Dalmo Dallari: Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade mostra isso.
Houve momentos em que se disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo. Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao altíssimo nível de corrupção.
Há também um erro ao fazer a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de cultura.
É necessário, sim, que haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a possibilidade da eliminação total é fantasiosa.
Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?
Dallari: Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns devem prevalecer.
A corrupção em grande parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania.
A busca da cidadania é mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania.
Claro que também é necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na punição efetiva dos corruptos.
Importante também é pensar que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles, inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir, é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo.
Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?
Dallari: Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e posso dizer que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências, mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema ditatorial para se praticar a corrupção.
Mas isso tivemos também anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio) Vargas ou depois de 1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo. Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que participam dele, mas não foram sistemas criados agora.
Não tenho nenhuma vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte , as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país.
Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?
Dallari: Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos países africanos, é um fenômeno universal.
Se nós quisermos, vamos facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim.
Lembro também que, há não muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair.
Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns?
Dallari: Isso é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção.
Muitos políticos, mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de consciência da responsabilidade ética implicada na vida social.
Esse é o ponto de partida, é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos.
Brasil: Essa "pequena corrupção" tem algo de aceitável?
Dallari: Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem.
A impunidade da corrupção no âmbito político partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano?
Dallari: Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição.
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