Nossos partidos têm tido vida efêmera. Não primam pela fidelidade a programas. Mudam e aderem a outros por conveniências materiais
A história contemporânea passou por tentativas malogradas na luta hegemônica entre capitalismo e socialismo desde o século 19. Experimentou dramaticamente os totalitarismos de direita, como pretensa resposta ao comunismo que, entretanto, fracassou nas tentativas de esmagar as revoltas que buscaram humanizar o socialismo real, como as iniciativas generosas sucumbidas sangrentamente na Hungria em 1956 e na Primavera de Praga, na Tchecoslováquia, em 1968. Seu último alento, porém, se deu com a queda do Muro de Berlim, no colapso da perestroika e da glasnost de Gorbachev, causa da nova ordem mundial e da extinção do Partido Comunista da URSS, com a ascensão de Yeltsin ao poder na Rússia. Vitória do capitalismo sem que lhe seja garantida a feição humana que a deificação do mercado não assegura, ao contrário, deforma.
No Ópio dos Intelectuais, de crítica aos intelectuais comunistas, Jean-Paul Sartre foi dos mais expressivos. Em entrevista a Benny Lévy, para Le Nouveau Observateur, em 1980, já disse comovedoramente que "o mundo é feio, sem esperança. Assalta-me o desespero de um velho que já morreu por dentro, mas eu resisto e sei que morrerei na esperança".
O centro, então hostilizado pelos extremistas de direita e esquerda, começa a ser reconhecido como o juste milieu tão desejado pelos não utópicos. Seu nome passa a ser terceira via, que chegou recentemente a reunir em Florença o que pareceu, a muitos, paradoxal, colocando lado a lado Tony Blair e Schröder, Clinton e Jospin, presente Fernando Henrique, ex-marxista, ignoradas as divergências teóricas, características da esquerda democrática em evolução ao centro.
Nossos partidos têm tido vida efêmera, mesmo comparados com os congêneres vizinhos (a União Cívica Radical existe na Argentina desde 1891). Não primam igualmente pela fidelidade a programas doutrinários. Mudam de agremiação e aderem a outras segundo conveniências materiais. Fazem lembrar Benjamin Constant, há quase 200 anos na França, que definiu partido político como uma associação de pessoas identificadas com os mesmos interesses materiais mais do que por convicção de pensamento.
De centro era, sem dúvida, o trabalhismo inglês, na terceira via, de Tony Blair, que recusava tanto o laissez faire do capitalismo liberal de Margaret Thatcher, de forte ingerência econômica no Estado e uma economia de mercado. Repudiou a pregação dos tempos de líderes como Bevan e Harold Laski. Fez a mudança e defendeu a liberdade de mercado, levando o partido à vitória esmagadora sobre os conservadores. Ao revés de uma mudança radical com adesão a idéias marxistas, Tony Blair, no New statesman and society, afirma: "É do interesse dos sindicatos não se associarem a um só partido político, para poderem subsistir a qualquer mudança de governo". No Brasil, é o contrário. A CUT é do PT e a Força Sindical do PDT. Enquanto o Labor Party defende a redução das taxas e regulamentações que elevam os encargos sociais das empresas e desencorajam a criação de empregos.
No centro estão não só o trabalhismo britânico como todos os partidos da esquerda que rejeitam presentemente a economia estatizante e veem na concorrência do mercado o meio de alcançar o desenvolvimento e aumentar o nível de vida. Assim é a própria social-democracia europeia. Helmut Schmidt, quando primeiro-ministro, sustentou que o lucro das empresas era do interesse dos trabalhadores porque "representa o investimento de amanhã, que significa geração de empregos para depois de amanhã". E Gerhard Schöder, que venceu Kohl, afirmou em 1998 que "o Partido Social-Democrata não era um partido de esquerda, mas o partido do novo centro". Reduziu os encargos sociais de 47% para 35% para diminuir o desemprego e propôs sistemas de previdência privados. Até os suecos do welfare state mudaram a política anterior de forte taxação do imposto de renda e aderiram às privatizações. José Dirceu, não convertido mas oportunista sagaz, chega a afirmar que o PT é, agora, um partido de centro.
Getúlio Vargas, antes de ser deposto em 1945, mudou a legislação eleitoral, alterando a natureza dos partidos de regionais, de forte caráter estadual. Indultou Luiz Carlos Prestes e anunciou convocar uma constituinte, o que resultou no apoio ao Partido Comunista, que criou o slogan "queremos Getúlio", contrário à deposição, mas sem êxito. Nas eleições de 1950 as forças armadas depuseram-no. Os concorrentes foram a UDN, de oposição à candidatura de Getúlio, que criou dois partidos ideológicos: o PSD , de conservadores direitistas, e o PTB, de esquerda moderada, que apoiaram Getúlio e representavam as correntes mundiais (esquerda e direita), desde a ferrenha disputa entre capitalismo e socialismo para manter o comunismo isolado. Sem o prestígio que tinha Getúlio, o jovem prefeito da capital de São Paulo, desprovido de história política, fê-lo fundar um partido sem idéias, "que não é de direita nem de esquerda nem de centro."
Jarbas Passarinho é Coronel do Exército, ex-senador, ex-ministro do Trabalho e da Educação
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