Ralph J. Hofmann
Em 1989 recebi um estudo das tendências econômicas mundiais elaborado pelo departamento de marketing da grande empresa em que eu trabalhava na área de Comércio Internacional.
O grupo que escrevera o estudo tentava responder questões relativas a mercado futuro no afã de cumprir as metas formais da empresa quanto a relatórios anuais que deveriam existir como base para projeções que envolveriam investimentos.
Eram pessoas com cursos de marketing mas não elaboravam estudos novos em profundidade. Usavam informações disponíveis em livros, revistas e simpósios (notem que em 1989 não tínhamos a fartura de informações da Internet).
Após avaliar o trabalho senti que havia uma aceitação fácil demais de que o Japão era um rolo compressor econômico que ia de sucesso em sucesso, cujo sistema social e estrutura psicológica do povo simplesmente não podia ser detido.
Como eu lia algumas revistas e trabalhos que não eram consultados pela nossa equipe, além do que viajava e trocava idéias com colegas de outros países e mercados não era essa a imagem que eu tinha.
Portanto escrevi um “paper” de 20 páginas em que indiquei outros sinais. O Super-Japão estava na iminência de tornar-se meramente Japão. Um país de empresas ricas mas apenas um país entre os bem sucedidos. Não um monólito indestrutível.
O Japão estava baseado em uma pirâmide imobiliária. Tendo pouca terra os imóveis eram valiosos. O financiamento das indústrias era alavancado pela posse de terra. As maiores fortunas do Japão, eram de investidores imobiliários.
Contudo os jovens casais japoneses, ante o preço de US$ 500 mil por uma quitinete agora preferiam viajar a Paris em lugar de economizar US$ 125 mil como entrada na compra de um apartamento.
Portanto, já em 1989 percebia-se que os estoques de apartamentos estavam altos e não havia quem os comprasse. Pela lógica os preços deveriam cair. Mas não caiam porque os imóveis serviam de lastro para grandes empréstimos e se os preços fossem reduzidos os bancos teriam de admitir que estavam garantindo operações podres.
Quando a crise econômica dos anos seguintes se estendeu ao Japão os japoneses, presos ao seu sistema de obter consenso antes de fazer qualquer coisa não conseguiram aprovar mecanismos, tais como fundos de reserva para essas perdas.
Havia outros setores da economia japonesa com outras mazelas aguardando. Por exemplo as “estradas do nada a coisa nenhuma” para que as empreiteiras e operários de construção tivessem o que fazer.
Portanto enquanto o resto do mundo se recuperava da crise mexicana, crise argentina, etc. o Japão entrou no milênio seguinte ainda lutando para recuperar seu sistema bancário. De uma ou outra forma ainda está às voltas com isto. Isto não quer dizer que seja um país derrotado. Vimos isto na reação ao Tsunami no ano passado. Os caras são geniais. Só não são super-infalíveis.
Agora ouço uma ladainha semelhante sobre a China. Algumas observações são relevantes.
Por que o Brasil é 6° em PIB, maior em produção disto ou daquilo, quase pior do mundo em outra coisa. Nas estatísticas positiva vemos o governo se parabenizando alegando competência. Nas negativas vemos os governo dizendo que “pudera, com o nosso tamanho os problemas são grandes”.
Na verdade temos boa colocação em certas coisas porque temos um dos países com mais área e uma das maiores populações. Quando você injeta crédito barato e produtos de baixo custo neste mercado acaba gerando PIB de atividades comerciais e acaba gerando arrecadação, mesmo que esteja transferindo empregos industriais para fora.
Quando produz intensamente no agronegócio a extensão também é um ponto a favor. Você produz muito.
Mas veja o que está ocorrendo no momento. Há uma estiagem nos estados do sul nas áreas produtoras de grãos e gado. Vai haver uma queda de produção. Ao mesmo tempo a receita do comércio estando alto os nossos alimentos estão com uma taxa de inflação bem superior ao nosso cálculo da inflação.
Há dez anos atrás éramos um país cuja economia havia estabilizado, com um agronegócio crescente e uma industrialização que havia sacudido as amarras da obsolescência. Ou seja a composição do nosso PIB estava redonda.
Hoje nossas grandes marcas de eletrodomésticos têm vantagem em importar da China. Mais ainda e pior ainda. Têm desvantagens em produzir aqui.
Isto que exportamos muitas das matérias primas como minérios que podem ser adquiridas pela China a preços inferiores aos preços praticados para a indústria local. A arrecadação de 36% do PIB do governo é sagrada. Incide de várias formas sobre tudo, é o chamado custo Brasil que ajuda a construir a China e a torna competitiva e sufoca o brasileiro.
Mas vamos olhar a China e raciocinar um pouco sobre a SuperChina. Vamos examinar o seu PIB crescente.
A população da China equivale a quase sete vezes a população do Brasil. Considerando a estagnação gerada por técnicas industriais e agrícolas impostos por quem nada entendia do assunto (década de 50-60), que acabaram gerando fome e imensos prejuízos, “grandes saltos para a frente” mal sucedidos e posteriormente a atuação dos guardas vermelhos arrasando a economia e a tecnologia ao perseguir seus professores e pessoas cultas, mortas, execradas ou levadas ao campo para fazer trabalhos braçais entre 67e 68, a China, nos anos oitenta estava num patamar muito baixo. Trinta anos atrás quando a visão de Deng Xiaping de um governo comunista com uma indústria capitalista ganhou sustentação qualquer crescimento era um grande crescimento. Quem produz uma tonelada de aço, se passar a produzir 1100 kgs. aumentou em 10% sua produção. Leve-se isto a um PIB e o comparativo fica óbvio.
A China teve portanto possibilidades imensas de conseguir ótimas taxas de crescimento. Inicialmente recuperou áreas que antes do regime comunista tinham uma infra-estrutura econômica e tinham certa tradição deixada pelos invasores ocidentais, como Shanghai que fora um grande centro. A seguir desenvolveu áreas secundárias, de uma forma geral ao longo da costa chinesa. Cada área com produção in significante em que se ativava uma empresa, freqüentemente em parceria com ocidentais era de um peso maior nas estatísticas do que uma empresa semelhante teria na Europa ou até mesmo no Brasil ou México.
A ausência de normas razoáveis sobre direitos trabalhistas, a imensa massa de pessoas dispostas a trabalhar pela mera sobrevivência davam (e dão) uma vantagem de custo à China que passou a acumular grandes superávits que pouco refletem no dia a dia, na condição humana do país.
Neste período a China passou de uma população urbana de 30% para 60% a população no campo sendo o complemento correspondente. A isto não correspondeu uma capacidade local per capita maior de suprir alimentos. Houve um êxodo rural mas a contrapartida de produtividade no campo não corresponde ao movimento. Simplesmente recheou as cidades de mão de obra disposta a tudo.
Mas o crescimento do PIB baseia-se em cada vez conquistar mais mercados. Na medida em que sua clientela, os países ocidentais passaram a consumir produtos chineses também reduziram seu crescimento econômico. Portanto a China se viu obrigada a financiar as economias a quem pode vender, pois as crises reduzem em prego e consumo.
Isto tem um limite. Assim como o Japão com as “estradas do nada a coisa nenhuma” a China rapidamente fez as obras públicas mais necessárias e começou a procurar outras atividades para suas empreiteiras. Faturamento de empreiteira equivale a produção que soma PIB.
Um dos planos foi construir imensas cidades, com shopping centers, teatros, restaurantes. Qualidade e imponência comparáveis a Dubai, porém ainda maiores que as daquele centro econômico.
De alguma maneira só não previram como os chineses teriam dinheiro para comprar os apartamentos nessas cidades, quem iria comprar nas lojas, quem iria freqüentar os centros culturais.
Há um vídeo circulando mostrando cinco ou seis dessas megalópoles. Lembram cidades fantasma do velho oeste. Vazias. Uma loja que outra aberta. Um dos lojistas diz que neste dia havia vendido uma peça. Dois dias antes duas. Antes disto há muito tempo não via um freguês. Só o pessoal da limpeza e manutenção limpando e restaurando os prédios vazios.
O vídeo mostra onde moram os que construíram aquela cidade e os que trabalham lá. Oito pessoas em 15 m2. Nunca vão ter como pagar um apartamento.
Mas a construção de cidades continua. Assim geram empregos. Geram consumo de aço, cimento, plásticos de construção.
Há outros fatores. Há províncias onde não surgiu nem o crescimento em termos de empreendimentos novos nem o consumo de seus produtos tradicionais, especialmente alimentos, pois é mais barato trocar quinquilharias e calçados por soja de países como o Brasil.
No caso do Japão, até a década de 70 o seu povo trabalhava pelo Japão e pelo Imperador. Com isto fazia sacrifícios e poupança e vivia muito abaixo do padrão de um país com a produção que tinha. Na década de 70 surgiu a pressão por melhor remuneração e, sendo o Japão uma democracia, houve uma gradual melhoria de remuneração.
No caso da China não se vislumbra isto, pois uma liberalização custaria poder do governo e muitos dos problemas de distribuição de riqueza teriam de ser resolvidos.
Não sei se será nesta crise mundial que a China vai se tornar menos SuperChina, mas todo aquele país que tenta viver só de exportar, que elimina empresas nos países a quem exporta, acaba enfrentando o problema de seu freguês não tem o que vender para pagá-lo. Aí as estatísticas despencam. O povo precisa ganhar mais para consumir o que é produzido no país e a vantagem competitiva rapidamente desaparece.
Não tenham dúvidas. Este dia vai chegar para a China.
Nenhum comentário:
Postar um comentário