quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

UM CONTO DE CARNAVAL

(com autorização tácita de Charles Dickens autor de “Um Conto de Natal”)

Ralph J. Hofmann

Zézinho era um “office boy” numa grande empresa gaúcha (de cerca de 4.500 empregados) em fins da década de sessenta.

Tinha dezessete para dezoito anos e uma aparência apatetada num corpanzil de gigante. Parecia sempre estar por adormecer, mas se desincumbia excepcionalmente bem de qualquer tarefa que lhe fosse confiada, ou seja, de burro não tinha nada mais que a aparência.

Naquele ano, uma semana antes do carnaval saiu a lista de aprovados do vestibular de medicina da UFRGS (Naquela época cada faculdade fazia seu vestibular separado e não havia múltipla escolha nem vestibular no meio do ano. As provas eram realizadas em meados ou fim de janeiro e levavam algum tempo para serem corrigidas.).

Eis que aparece o nome de Zézinho entre os primeiros lugares aprovados na medicina.

Feliz, até eufórico, Zézinho se dirigiu à sua chefia. Pediu para ser desligado da empresa com dispensa do aviso prévio, para poder aproveitar o mês que faltava para o início das aulas e descansar um pouco.

Seu chefe até que concordou, mas precisou obter aprovação superior. Qual a surpresa quando o Diretor-Superintendente, filantropo e homem conhecido por aderir às boas causas, talvez tendo mal dormido ou mal qualquer-coisa, estando presente na sala do Diretor-Administrativo saiu com:

“Absolutamente não! Se ele quiser pode pagar o mês pelo aviso prévio! Obrigação é obrigação! (Befehl ist befehl! Jawohl!)."

Zézinho recebeu a notícia calado. Mas os que o conheciam sabiam que atrás daquela pasmaceira funcionava um dos melhores intelectos da empresa. Não iria ficar assim não.

Manhã de segunda-feira de carnaval. A empresa fundada por alemães não reconhecia o carnaval. Trabalhava-se direto, inclusive quarta-feira de cinzas pela manhã.

Às 7:20 hs. da manhã encosta um táxi na frente da empresa. Desce o Zézinho com a imponência de seus 1,85m, vestindo uma camisa havaiana com tons vermelhos, bem solta, bermuda de jeans cortado desfiado, tênis Conga sem meias, pedaços de serpentina e confete grudados no cabelo e na pele suada e uma bolsa de roupa no ombro. Dirige-se para o relógio ponto exatamente quando o diretor-superintendente, teutônicamente pontual como sempre, está chegando no seu carro italiano importado.

Observa aquela figura de folião se aproximando do relógio-ponto e grita para a segurança.

“Segurem este moço! Não deixem bater o ponto! Levem para o departamento de pessoal! Está despedido!”

E o Zézinho: “Mas doutor, estou com a muda de roupa aqui e ainda faltam dez minutos ...”

“Calado! Pode ter até razão mas está despedido! “

Zézinho não pagou o aviso prévio, recebeu o aviso prévio e ainda todas as outras vantagens. Naquela tarde telefonou avisando onde seria o chopp de confraternização.

Num Brasil justo hoje seria pelo menos Ministro da Saúde.

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