O Ministério Público Federal (MPF) em Bauru ajuizou ação civil pública por atos de improbidade administrativa contra o ex-superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em São Paulo (Incra), Raimundo Pires Silva e o presidente da Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados de Reforma Agrária de Iaras e Região (Cocafi), Miguel da Luz Serpa, por uma série de desvios e má aplicação de recursos públicos na execução de convênio firmado entre o Incra e a cooperativa para a realização de benfeitorias no Projeto de Assentamento Fazenda Maracy, em Agudos, cidade localizada a 268 km da capital paulista.
De acordo com o MPF, na ação também são demandados o servidor do Incra Guilherme Cyrino Carvalho, designado no plano de trabalho como supervisor do convênio, e a própria Cocafi. A denúncia chegou ao MPF por meio de denúncia de três assentadas da Fazenda Maracy. Segundo as investigações puderam levantar, o Incra teria autorizado Miguel Serpa, uma liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região de Iaras, e presidente da Cocafi, a promover o desmatamento de 920 mil pés de eucalipto que existiam no terreno.
A extração e a venda da madeira foi formalizada entre o Incra e a Cocafi e o dinheiro deveria ser aplicado na infraestrutura do assentamento, o que não aconteceu. Segundo o MPF, o dinheiro "praticamente desapareceu após o corte total da madeira, vendida abaixo do preço avaliado".
Apenas depois das denúncias, o Incra decidiu fiscalizar o convênio e analisar as contas prestadas pela Cocafi e o instituto considerou as contas irregulares, mas não era mais possível contestar a venda, pois a madeira já havia sido extraída.
Empresa beneficiada
Quando a Cocafi licitou a extração e a venda da madeira, em 2008, três empresas concorreram e saiu vencedora a micro-empresa Jackson Henrique Schnaider, que ofereceu R$ 1,9 milhão pela madeira, rebaixando o valor do metro cúbico calculado durante a criação do convênio.
Na cláusula do documento, consta que havia no terreno 70.800 m³ de madeira, avaliada em R$ 77 o metro cúbico pela Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada, da Esalq, de modo que sua extração deveria resultar em R$ 5.451.600,00 para aplicação em infraestrutura do assentamento. Entretanto, no Plano de Trabalho do mesmo convênio, o valor de comercialização da madeira é estimado em R$ 3.186.000,00, rebaixando o valor do metro cúbico para R$ 45. Porém, a empresa que venceu a licitação acabou oferecendo R$ 26,84 pelo metro cúbico cultivado.
O Incra detectou uma falha grave durante a fiscalização: as notas fiscais da venda da madeira, datadas entre 30 de novembro de 2008 e 31 de maio de 2009, haviam sido impressas numa gráfica de Itapeva em julho de 2009. A Cocafi, ainda por cima, apresentou notas para apenas 30.677 m³ de madeira, muito abaixo dos potenciais 70.800 m³, segundo informações do MPF.
A fiscalização posterior do Incra também detectou que Serpa fez gastos não previstos e não relacionados ao convênio, utilizando recursos em despesas não previstas no Plano de Trabalho, como gastos particulares. Foram encontrados registros de pagamento em duplicidade para gastos com combustíveis e despesas efetivadas sem comprovação.
Para completar, a madeira não foi comprada pela empresa vencedora da licitação, mas por outra, a KMTZ Comércio de Madeiras e Serviços Florestais. Até na forma em que a madeira foi vendida houve prejuízo aos assentados, já que a previsão era de que um terço da madeira deveria ser vendida como tora, de maior valor comercial, e dois terços como lenha. A fiscalização apontou que apenas 3,4% do total foi vendido como tora, para serrarias.
Responsabilidade
Para o MPF, apesar de o Incra ter fiscalizado as contas, isto ocorreu tarde demais, impedindo que o dano aos cofres públicos se consumasse. Para o procurador da República Antônio de Oliveira Machado, autor da ação, houve negligência do órgão. "É estarrecedora a negligência no acompanhamento a tempo e modo da arrecadação e aplicação dos valores do convênio", disse.
Para o MPF, Silva e Carvalho, nas suas respectivas funções, tinham o dever de acompanhar, fiscalizar e autorizar a movimentação e aplicação dos recursos arrecadados com a extração e a venda da madeira pela Cocafi, o que nunca ocorreu, o que, na avaliação do MPF, propiciou os desvios de dinheiro público.
Em setembro de 2009, o Incra rescindiu o convênio com a Cocafi e efetuou o bloqueio da conta da cooperativa no Banco do Brasil, mas o banco não confirmou a medida. Após o fim do convênio, em uma assembleia realizada entre o Incra e os assentados, estes foram autorizados a vender as galhadas de madeira por R$ 25 o metro cúbico, fato totalmente irregular, uma vez que toda a madeira deveria ter sido vendida para beneficiar coletivamente o assentamento, já que era um bem móvel da União.
A causa foi estipulada pelo MPF no valor de R$ 5,4 milhões, o valor correto da madeira, que segundo o Ministério Público é a quantia que consta no instrumento particular de compra e venda de madeira firmado entre a Cocafi e a micro-empresa Jackson Henrique Schneider.
Na ação, o MPF requer que, ao final do processo, Pires, Carvalho, Serpa e a Cocafi sejam condenados a ressarcir, juntos, com juros e correção monetária, os danos causados aos cofres públicos em valor a ser apurado no decorrer do processo. O MPF pede ainda que os quatro demandados sejam condenados, na medida de suas responsabilidades, por improbidade administrativa, com perda da função pública, proibição de contratar com o poder público, perda de direitos políticos e pagamento de multa.
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