Em hebraico, ao brindarmos, utilizamos a expressão Le Hayim! que significa “À Vida!” É interessante notar que a palavra Hayim, que significa vida, é um plural dual, e sua tradução literal seria “Vidas” (ou “2 Vidas”). Na esfera cotidiana, todos, vivemos mais que uma vida: trabalho, familiar, amorosa, etc. (correspondendo aos nossos papéis sociais). Até brincamos, às vezes: “quando acabar este trabalho (ou este curso ou criar filhos...) vou começar a viver!” Por outro lado, pode-se fazer uma leitura metafísica do vocábulo: vida em vida e vida após a morte. As implicações filosóficas e teológicas são evidentes: geram desde o questionamento se há vida após a morte até as suas descrições, com as diversas religiões respondendo diferentemente.
Pensamento Judaico
A vida no judaísmo é considerada um corredor que conduz a um mundo onde o homem é julgado e sua alma continua florescendo. Isto não significa que a vida neste mundo seja desprezada. Ao contrário, em virtude das ações nesta vida decide-se o destino do homem no mundo por vir (Olám ha-bá), mas se reconhece que a morte é um fim.
A própria morte é considerada uma parte da Criação. No pensamento judaico, vida e morte formam um todo, sendo aspectos diferentes da mesma realidade, complementares uma da outra.
Na Bíblia, assim aconteceu com Moisés moribundo. D-us veio até ele e, como um pai amoroso, levou sua alma - com um beijo...
Os judeus sempre se consideraram hóspedes temporários na terra. A morte não significa a extinção do ser, mas o começo de uma nova fase. A submissão às limitações do corpo foi expressa de forma eloqüente por Jó: “O Senhor deu e o Senhor tomou; abençoado seja o nome do Senhor!" Por quase 25 séculos essas palavras hebraicas de conciliação entre vida e morte têm sido repetidas à beira do túmulo cada vez que um judeu é sepultado.
Passagens bíblicas indicam que os primitivos hebreus consideravam a morte como o reencontro da pessoa com seus pais. A morte prematura era considerada grande infortúnio e era uma bênção "morrer em idade bem avançada"; por tradição, desde Moisés, costumamos formular o voto de (que a pessoa viva) “até 120 (anos)”.
Como Baal Shem Tov, os judeus confiam que, embora estejam deixando a vida por uma porta, a ela voltarão por outra no dia da Ressurreição, com a idéia de que a alma que partia voaria em direção ao céu e aninhar-se-ia em paz no seio de D-us. "Vá, como um pássaro, voarás para o teu ninho!”, cantava Ibn Gabirol há 10 séculos.
Na cultura judaica
Um termo às vezes diz muito sobre a história e valores da cultura na qual é usado. Levayá, palavra hebraica para funeral, significa "acompanhar”. Assim como acompanhamos nossos familiares nas viagens que são suas vidas, a tradição judaica ensina como podemos acompanhá-los ao final delas.
A aflição de morte é uma das emoções mais pessoais, intransferível e às vezes incompreensível. Não apenas indivíduos como comunidades vivem perdas dolorosas quando uma morte acontece. A tradição judaica ensina meios pelos quais pode-se unir a aflição singular de modo tanto comunal quanto particular, dando apoio para se seguir adiante. Os costumes de luto judaicos servem para transformar os caos de aflição interiorizada em um padrão de ordem, para que a introversão possa ser substituída por um reconhecimento aberto de perda compartilhada.
O objetivo das práticas é de manter a honra do falecido (kibud há-met) e confortar as pessoas de luto (nihum avelim). O morto deve ser envolto em um sudário branco (tra’hrihim) depois de ser lavado e purificado. O judaísmo tradicional proíbe o embalsamamento, a cremação e a exibição de féretro aberto. O funeral deve processar-se com presteza e ser conduzido com simplicidade.
Existem 3 períodos de luto depois do enterro: Shivá (= 7), os 7 dias que se seguem ao enterro, shloshim (= 30), os dias que transcorrem desde o fim deshivá até o 30º dia depois do enterro, nos quais os enlutados não assistem a festas, não se casam e homens não se barbeiam; avelut, período que termina depois de um ano judaico a partir do dia do falecimento que é observado apenas pelos filhos, os quais devem recitar diariamente o Kadish.
No primeiro aniversário de falecimento é costume ir até o cemitério e lá desvelar a matzeiva, lápide de sepultura, já preparada e colocada sobre a tumba. Há cerimônias especiais que acompanham esse desvelamento. Quando os judeus visitam uma sepultura, ao irem embora colocam uma pedrinha sobre a lápide. Isso se destina a indicar que alguém esteve lá e prestou seus respeitos à memória do que partiu (a origem desta prática pode se dever a uma forma de evitar que cães ou outros animais escavassem as sepulturas).
Yohrzeit (palavra ídishe) é o aniversário de falecimento de acordo com o calendário judaico. Neste dia, os parentes próximos dizem o Kadish e uma vela ou lâmpada é acesa na casa durante 24 horas.
Enquanto o yohrzeit em geral é triste, o de uma pessoa santa é comemorado pelos cabalistas como dia do casamento de sua alma com D-us, como de Shimon Bar Iohai em Lag baÔmer.
Como os mortos não podem cumprir mandamentos, é proibido cumpri-los em sua presença, por respeito à sua condição. São atos meritórios lavar um cadáver, participar do sepultamento e sepultar mortos que não têm parentes. Após tocar um cadáver, estar na mesma casa com um ou ter visitado um cemitério, deve-se lavar as mãos. Embora a necromancia seja proibida, há quem deixe bilhetes junto às sepulturas de homens santos, pedindo-lhes que intercedam junto a D-us. O último ato do judeu expirante é a recitação do Shemá.
Para concluir, mesmo sendo o tema inesgotável, transcrevo uma estorieta talmúdica ilustrativa:
- Aonde vais? Discípulos perguntaram a Hillel quando o viram, certa vez, sair de casa.
- Vou em busca de repouso para o meu hóspede!
- Tens algum hóspede em tua casa?
Respondeu o sábio: O hóspede a que me refiro é a pobre alma que vive, como um forasteiro, em meu corpo. Hoje aqui, amanhã onde estará?
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Dedico este artigo a alguem muito mas muito especial
Shalom U'vrachot!!! Que o Eterno sempre esteja conosco
Amém.
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