sábado, 5 de maio de 2012

INTERDEPENDÊNCIA

Ralph J. Hofmann
Na década de sessenta, eu ainda era estudante do científico (ensino médio) mas tinha alguns amigos anos mais velhos principalmente porque dava algumas aulas de inglês e freqüentava como ouvinte aulas de literatura francesa na faculdade de letras pois a Alliance Française apenas dava curso de idiomas na minha cidade e eu já estava na etapa de aprofundar conhecimentos.
Em função disto eu andava em turma com pessoas que já ganhavam a vida, alguns até concursados no Banco do Brasil (na época isto era equivalente a ganhar um cheque em branco). Portanto estes amigos já estavam comprando carros, máquinas fotográficas e demais materiais.
Um amigo entrou faceiramente porta adentro. Tinha comprado uma belíssima filmadora de 8 mm, segundo ele americana, marca Bell & Howell. Examinei a máquina, de fato sofisticada para uma máquina de uso caseiro. Constatei que a máquina era produzida no Japão para a Bell & Howell. Nada de mais. A Bell & Howell existe ate hoje. Tem 115 anos. Surgiu com a indústria do cinema em 1907 fazendo projetores de cinema/ Até hoje projeta ótimos produtos, e até produz alguns em Illinois onde é sua sede, mas sempre produz onde os custos possibilitem manter-se competitiva no mercado. A alternativa é a extinção.
Esta foi também uma época em que os japoneses começaram a surgir no mercado norte-americano com máquinas fotográficas como Yashika, Pentax e Nikon. No mercado de filmes fotográficos surgiu a Fuji.
Estes conquistaram parcela de mercado por mérito próprio ou por associação com empresas locais, que não produziam máquinas fotográficas mas queriam ter uma linha própria. O mesmo correu com outros produtos em outros ramos com o Japão criando, baseado no tipo de experiência do mercado fotográfico uma reputação de qualidade, que não tivera antes dos anos 60.
Essencialmente durante os anos 60, 70 e 80 nos Estados Unidos não se pode dizer que isto causou fechamento de empresas ou grande desemprego. Na ocasião havia novos ramos surgindo e o deslocamento dos empregos para estes ramos.
Contudo na mesma época havia dois fenômenos novos se desenvolvendo. Um era a força dos sindicatos americanos que pleiteavam salários e benefícios tão altos que muitos setores tiveram de fechar suas indústrias. Os sindicatos tinham uma imagem de defensores do homem pequeno, do trabalhador, mas seus líderes passaram a ser oligarcas que tinham trânsito livre nos ministérios, e mais força que as grandes empresas, pois comandavam uma grande massa de eleitores em estados chave. John Kennedy sé se elegeu com os votos de Illinois que foram entregues pelos sindicatos que tinham uma relação fraterna com o mafioso Sam Giancana.
A concordata branca da Chrysler em 1979 indicou isto claramente. Nos anos 80 a empresa (brasileira) em que eu trabalhava empregava em Detroit um velho e experiente contramestre da Chrysler. Este me disse sem rodeios que foi a sede por vantagens
extremas e o costume de forçar horas extra um dos maiores fatores da quase concordata. A força do sindicato era tal que a administração não conseguia coibir as más práticas por medo de desencadear greves.
Na mesma viagem em que falei com este ex-contramestre visitei clientes, antigas fundições no Centro Oeste americano. Todas funcionando marginalmente com alguns poucos operários marcando o passo para se aposentarem produzindo pequenas series de produtos. Nós supríamos o resto daqui do Brasil.
Mas neste caso não era o problema dos sindicatos que causara o fechamento de empresas. Eram as rígidas leis contra a poluição. Os donos das empresas, ante a fiscalização constante, a quase impossibilidade de evitar multas que coibiam quase qualquer coisa produtiva, dado o autoritarismo da EPA (Environmental Protection Agency – Agência de Proteção ao Meio-Ambiente) constataram que era impossível seguir produzindo com dez dólares de honorários advocatícios para cada dólar de salários que pagavam.
Algo parecido ocorria também na Europa.
E é disto que surgiu a grande produção em países como Taiwan, Tailândia e China. E é disto também que surge a impossibilidade de enfrentar grandes percentuais de redução de emissões de carbono dos Estados Unidos. Grande parte dessa redução ocorreu muito antes de outros países começarem a se preocupar com o assunto. Onde outros países, como a Coréia e mesmo o Brasil estavam construindo grandes aciarias nos Estados Unidos a tendência era de pequenas aciarias especializadas. Com isto se podia controlar melhor os problemas ambientais. Fazer usinas limpas. Isto se passava e ainda se passa com inúmeros outros campos.
Neste meio tempo da Mongólia ao Mar da China estava surgindo o colosso chinês. Com indústrias sujas e salários ínfimos. Sem legislação social e sem o arcabouço de impostos e multas punitivas.
Alguém me ponderou esta semana que:
“Esses dias estávamos no trabalho conversando sobre a China. E como tudo é tão barato de ser produzido lá. E da conivência de economias (inclusive a americana) com os subsalários praticados, frente às vantagens econômicas do ‘Made in China’. Acho que a grande esperança do mundo é o passivo social chinês. Vai chegar um momento em que o povo vai começar a cobrar mais liberdade. Lembro que achei improvável a idéia de George Orwel em ‘1984’ de que a guerra entre os dois grandes blocos seria por mão de obra. Hoje dá para ver como todos se interessam pelo grande deposito de mão de obra barata, que é a China. É tão atrativo que todos são coniventes.”
Considerando as pinceladas que apresentei acima este comentário põe em evidência qual a real vantagem da China. Idealistas do meio-ambiente, sindicatos, etc. não têm força na China. Se os chineses tivessem de trabalhar dentro dos sistemas de leis ocidentais não teriam como operar. Por isto mesmo sempre que surge uma centelha de liberalização o velho sistema repressor chinês mostra de novo sua face cruel.
Como escrevi recentemente. É um problema para 20 anos. Talvez 30.
Mas existe outro fator. Se nós nos viciamos em comprar da China estes se viciaram em vender para nós. Com isto por agora estamos no que se chama de “Mexican Standoff’. Isto é eles tem uma arma engatilhada apontada para nossa cabeça, mas nós temos uma arma engatilhada apontada para a cabeça deles.
Quem viver verá.

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